O Real digital ficará custodiado realmente com quem?

O Real digital ficará custodiado realmente com quem?

            O episódio recente (agosto de 2021) do bloqueio da chave PIX de várias pessoas no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal reacende a questão da custódia do dinheiro e liberdade.

            Apesar das informações sobre as qualidades tecnológicas do futuro Real Digital propaladas pelo Banco Central do Brasil, ele não pode ser comparado às criptomoedas descentralizadas, pois será totalmente centralizado e, provavelmente, de código fechado.

            A decisão do ministro Alexandre de Morais demonstrou que o Estado pode bloquear o funcionamento da chave PIX de qualquer cidadão ou empresa no Brasil, fato que pode comprometer sobremaneira a sobrevivência das pessoas e empresas, pois essa chave pode ser utilizada para receber pagamentos pela venda de produtos e serviços.

            Com a implementação do Real digital, o potencial de controle estatal subirá exponencialmente ao longo do tempo, pois várias formas de funcionalidades poderão ser inseridas, a exemplo de tempo para o uso da moeda, horário para uso, entre outras.

            O ex-presidente Fernando Collor provavelmente iria adorar o Real digital, pois os confiscos das cadernetas de poupança seriam feitos de forma praticamente instantânea. Quem viveu no começo dos anos 1990 sentiu na pele os efeitos desastrosos do bloqueio das poupanças. Além de não resolver o problema monetário e econômico brasileiro, gerou enormes transtornos para as pessoas, inclusive com várias morrendo de enfarte em decorrência dessa violência.

            Além do mais, com o Real Digital, o Estado, por meio do Banco Central, deterá todas as informações sobre as movimentações financeiras do titular da chave, independente dessa pessoa (física ou jurídica) ter cometido algum crime. Essas informações são altamente sensíveis e, se vazadas, têm potencial de colocar as pessoas em situação de extrema vulnerabilidade junto a golpistas. E o histórico demonstra que o Estado não é competente e zeloso para manter dados em segurança, com vazamentos recentes ocorridos de dados sensíveis de dezenas de milhares de brasileiros nos últimos meses. Grande suspeita desses vazamentos terem sido de bancos de dados governamentais.

            Caro leitor, não caia na falácia de quem diz que “quem não deve, não teme”. A privacidade é algo necessário para a liberdade das pessoas e empresas. Além do mais, movimentações financeiras de empresas e de pessoas podem ser utilizadas por bandidos para extorsões e outros tipos de crimes. Podem ser utilizadas também por concorrentes para fins de concorrência predatória etc.

            Isso sem falar no uso indevido dessas informações pelos órgãos estatais. Com o Pix já está sendo gerado um banco de dados enorme das movimentações de quem utiliza tal mecanismo de pagamento. Quando o Real digital for implementado e, no futuro, as cédulas físicas forem retiradas de circulação, todas a movimentações financeiras de todos (sem exceção) serão armazenadas em banco de dados do governo e poderão ser utilizadas para o controle mais rigoroso dos cidadãos. Mas isso não é problema em democracias, dirão alguns. Porém, democracias não têm interesse em tal nível de vigilância das pessoas. Se um estado promove isso, talvez seja a hora de repensarmos se ele é realmente democrático.

            Por que você pensa que a China está tão empenhada em colocar para funcionar a sua CBDC o mais rápido possível? Pelo avanço tecnológico que isso significa? Não, o incentivo para o estado chinês é a possibilidade de virtualmente controlar todos os cidadãos em uma dimensão jamais vista na história, e a forma mais efetiva de controle é através do dinheiro. Combinando o sistema de crédito social que já funciona por lá com a CBDC, os chineses serão efetiva e permanentemente reduzidos à situação de escravidão, tendo como senhorio o Estado.

            Se algum dia o Leviatã esteve controlado, mesmo que de forma precária, com os direitos fundamentais de primeira geração, com os de segunda geração em diante o monstro referido foi se soltando até, atualmente, ter o potencial de controlar e de escravizar os cidadãos de uma maneira jamais imaginada por Hobbes. E isso não é responsabilidade da tecnologia, mas sim do seu emprego para tais fins.

            Como todo instrumento, a tecnologia pode ser utilizada para o bem ou para o mal. Dessa forma, a própria tecnologia pode ser a chave para a manutenção de, pelo menos, parte da liberdade do cidadão. As moedas criptografadas descentralizadas podem ser a resposta para a manutenção da liberdade individual, ou pelo menos para que essa liberdade não seja totalmente suprimida por estados autoritários. Essa é a principal razão do ataque estatal às moedas criptográficas, pois é um espaço no qual o Estado, até o presente momento, não consegue controlar.

            Lembre-se. Você só controla os seus ativos se você realmente tiver a custódia. Se a custódia estiver com um terceiro, no máximo você será parte de um contrato de depósito que talvez você não poderá fazer valer contra o depositário (exemplo: banco). E se o depositário for o governo, você com certeza não conseguirá valer o aludido contrato, pois o Leviatã, através do seu órgão que decide as querelas, não reconhecerá o seu direito, provavelmente fundamentado em um suposto “bem comum”.

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